sexta-feira, 17 de maio de 2013

[Conto] Na noite.





Estou deitado, mas não tenho sono. É tarde, levanto e vou até a varanda do meu pequeno apartamento. Do alto olho a cidade e seus filhos de cimento e vidro. Gosto de ver as luzes e as propagandas em neon piscante, escutar o som calmo da madrugada, sentir o vento passar pelo meu corpo e entrar uivando pela estreita porta em direção à sala.

Do alto vejo além dos que estão embaixo, me da uma sensação de superioridade. Observo coisas diferentes todos os dias, situações inusitadas e sem contar que não tenho problemas com os sons de carros ou insetos.

Porém, mesmo com toda essa imensidão da cidade eu me sinto sozinho, vejo casais passando nas ruas, rindo e se divertindo como eu costumava fazer com ela.

 Não sei exatamente o motivo de nossa separação, promessas não cumpridas, mentiras e decepção. Junto com outros pequenos problemas talvez. Uma briga e então me vejo acordando sozinho no dia seguinte.

Durante a primeira semana achei que iríamos voltar, a saudade começou a bater forte e imaginei que ela estaria sentindo o mesmo. Esperei que ela me procurasse, afinal ela começou a última discussão e tomou a decisão.

Nada aconteceu e então depois de um mês finalmente percebi estávamos definitivamente separados.

Então estou aqui, na noite, na madrugada, na melhor hora para alinhar os pensamentos e decidir o que fazer de agora por diante.

 Olho pra baixo e não vejo ninguém passar, esporádicos carros. Tento imaginar até quando essa sensação de vazio irá perdurar.

Sei que a vida continua, e provavelmente me relacionarei novamente, além disso, ter uma pessoa para casar e conviver não pode ser o único objetivo de uma vida. Suicídio não é uma opção, não acredito que me jogar seria uma solução para meus problemas. Mas quais seriam meus problemas então?

Creio que simplesmente estou sentido falta da vida que levava com ela, sentindo dificuldades em me adaptar a essa nova fase. Como trabalho em casa, é difícil me relacionar com outras pessoas, ter uma boa conversa e receber conselhos de amigos como todos os casais recém-separados fazem.

Percebo que meu sono não vai chegar nem tão cedo, passei o dia fazendo um trabalho no computador e está fora de cogitação sentar naquela cadeira novamente.

Apalpo-me e vejo que meu cigarro acabou, penso na preguiça de ter que trocar de roupa, descer e andar até uma loja de conveniência mais próxima. Mas tenho a madrugada toda pela frente, então é o que eu faço.

A noite está fria, fecho o zíper do meu agasalho até o pescoço e caminho ao meu destino.

Frio… lembro-me como ela se queixava do frio e pedia abrigo nos meus braços.

 Depois de 15 minutos cheguei à loja, comprei uma carteira de Lucky Strike e quatro latas de Budweiser, ao sair abri uma lata para tomar no caminho de volta e carrego na outra mão uma sacola com as restantes.

Retomo ao meu pensamento de qual o significado da minha vida, o que eu preciso fazer para seguir adiante, ou se eu devo propor uma conversa com ela afim de uma possível reconciliação.
Pelo visto a vida só tem dois propósitos; realização profissional e amorosa. Talvez a felicidade total só seja atingida com uma boa administração desses dois elementos. Começo a achar que deixei escapar por entre meus dedos uma pessoa do qual eu viveria para sempre ao seu lado. Começo a lembrar de varias situações que nós tivemos, nossas alegrias e nossas tristezas. Fica nítido depois de um tempo observar os esforços que ela fez para salvar o nosso relacionamento em várias ocasiões. Então concluo que essa deterioração de nós dois, foi realmente por causa do meu descompromisso com a relação.

  Embalado pelos goles na cerveja e uma caminhada rápida para amenizar o frio da madrugada, penso seriamente em me comunicar com ela e dizer que desejo ter uma conversa. Quero saber como ela está e se, quem sabe, ter uma chance para um possível encontro.

Perto de casa me deparo com duas pessoas mais a frente saindo de uma pequena entrada escura, um rapaz alto e o outro um pouco menor do que eu, porém mais robusto. Ambos com as mãos nos bolsos de seus agasalhos. Olham em minha direção e com passos precisos caminham ao meu encontro.

Sinto uma sensação ruim, talvez porque não venha me relacionando com pessoas ultimamente. Pratiquei durante vários anos artes marciais, tenho confiança para me defender de uma eventual investida criminosa. É madrugada e não tem mais ninguém na rua. Não quero pensar que será um assalto, não quero fazer esse julgamento. Só quero passar direto, ir para minha casa e da minha varanda mandar um sms para ela, dizendo que quero marcar um lugar pra nos encontrarmos e conversar. Quero-a de volta, eu a amo.

Os rapazes impediram meus passos parando na minha frente e então ouço as seguintes palavras:
-Carteira e celular!

Com um revolver apontado para minha cabeça, a princípio estagnei. Tinha uma sacola em minha mão e uma lata em outra, devo usar esses objetos para me ajudar nessa situação, ou deveria solta-los para tentar uma reação com minhas mãos nuas? Meu corpo todo treme.

Enquanto eu pensava em uma alternativa o rapaz alto manteve a arma mirada e o outro mais baixo botou a mão no meu agasalho, abriu e foi apalpando até sentir o celular. Fiquei com os braços semiabertos, quando ele puxou o meu aparelho e foi colocando no seu bolso, instantaneamente tive uma sensação de que ele levando meu celular, todos os meus planos com ela se acabariam ali, e a felicidade que eu estava sentindo só de me imaginar conversando novamente com ela iria acabar. Como treinei sistemas de defesa pessoal, não podia simplesmente aceitar isso.

Em um movimento rápido e seco, soltei os objetos e colei meu corpo junto ao do rapaz menor a fim de tirar o angulo de disparo do outro. No momento que encostei já entrei com uma cotovelada em seu nariz, ele ameaçou cair, mas eu o segurei e permaneci colado até aparecer uma brecha para atingir o rapaz maior. Este que se desesperou com a minha reação e começou a andar em círculos para achar uma oportunidade de me acertar. Quando ele chegou perto o suficiente, empurrei o corpo do rapaz tonto que estava colado comigo em direção ao rapaz alto e quase que simultaneamente fui engatilhado com um soco para acertar a face do rapaz armado. Então ouço um som forte, vibrante e quente.

Caí, não sinto meu corpo, não sinto mais frio, o sono finalmente chegou com intensidade, não tenho forças para resistir a esse sono. Imaginei-a, desculpei-me. Me desculpei para minha família.